Pensar em ética no trabalho do
ator é uma coisa um tanto complicada. Primeiro porque vivemos num mundo onde
parece não existir ética. Depois, me parece que o ser humano tem um poder de
auto-sabotagem que ele mesmo desconhece. Somos todos vítimas e algozes de tudo
que criamos. E tudo tem seu preço.
Na corrida pela sobrevivência, percebe-se que sobrevive aquele que é o
mais forte. Ou o que tem mais contatos, em nosso caso. O meio mercadológico,
que transformou os atores em um mercado de altíssimo luxo, preza pela imagem
que o artista cria e trabalha. Aquele que mais vende sempre tem espaço no meio
televisivo, no cinema e no teatro. Estes são meios de trabalho para que o
artista possa ter um retorno financeiro. Muito difícil àquele que vive de
passar chapéu ter sua casa própria e seu carro na garagem.
Maquiavel dizia que os fins justificam os meios. E me parece que mais da
metade da população terráquea concorda com essa ideia maquiavélica. Por que os
atores estariam fora dessa? Desde quando alguém tem o espírito evoluído
puramente por ter escolhido trabalhar com sua sensibilidade? Cada um tem o seu
processo. Em nossa profissão, muitas vezes conhecer o autor, ou o diretor
influencia na hora da decisão de um papel. Claro, estes darão a preferência em
trabalhar com alguém que seja de confiança. Não questiono esta forma de
trabalhar. Questiono as reações em cadeia que se desenvolvem a partir deste
sistema de relações. Pessoas podem se sentir prejudicadas por serem excluídas
de um processo seletivo de trabalho por simplesmente serem opções para um
determinado papel. Internamente, não é do controle de ninguém o sentimento que
ela vai emanar. Pode sair de dentro dela qualquer coisa.
Por se tratar de humanidade, é quase impossível não pensar: por que as
coisas acontecem pra ele e pra mim não acontece?
Porque nem sempre querer é poder. Insatisfação crônica deve ser resolvida
com terapia nos dias de hoje. Tem pessoas que se tratam até com remédios que
causam dependência física. Creio eu que cada um tem sua história, seu percurso
e sua importância num contexto coletivo. O verdadeiro ator é aquele que
consegue viver o presente, desapegado do futuro e do passado. Talvez a fome
pelo que se projeta seja a responsável pelas desavenças entre colegas da mesma
profissão. Tudo tem seu próprio tempo, e a vida é desencadeada através das
ações de quem as executa. Inveja, sabotagem, ausência de generosidade, pobreza
de alma. Quem emana esses sentimentos aconselho a procurar urgentemente um
terapeuta. Estes sentimentos afetam o desempenho da verdade que é posta na hora
da cena e apagam o brilho que o ator deve irradiar. Bons atores são aqueles bem
resolvidos consigo mesmos.
O papel da vida de um ator não surge de acordo com sua vontade. O papel
vem no momento dele. O artista não tem controle das oportunidades empresariais
que pra ele surgem, a não ser que ele mesmo tenha espírito empreendedor para
produzir o seu espetáculo. A vida acontece.
Espelhado na natureza, a semente é plantada, cuidada, cresce, brotam as
folhas e só depois floresce. A mesma
coisa acontece com as ações praticadas dia após dia. Tudo que vem fácil demais
já é comprovado que vai embora fácil demais também. O universo tem seu tempo, e
ele deve ser respeitado. Afinal, que somos nós, se não reles habitantes do
planeta Terra. Ás vezes (sempre!) nos colocamos em relação superior ao tempo, o
que é um grande erro.
Se nossos colegas humanos buscassem controlar suas mentes e suas
vontades, talvez não houvesse tanta desavença no mundo. Faltam amor e
consciência da complexidade da vida. É um exercício diário sair de dentro de si
e se perceber como parte de um coletivo que está na ativa, em busca de uma
evolução espiritual e material. É um exercício muito difícil, pois a todo o
momento estamos nos deparando com situações que somos obrigados a vendar os
olhos pra muita coisa de errado e fazer vista grossa. Começa lá em cima, nos
ministérios e palácios. Passa pela fome e falta de educação do povo brasileiro.
Chega a nossas casas. Educação é o que falta. Sem educação as pessoas não tem
bom senso. E sem o bom senso, não tem como conviver coletivamente.